A difícil convivência

A convivência está cada vez mais difícil. Sempre evito pensar que isso seja saudosismo da minha parte, e minhas lembranças dizem que não. Acredito que nunca antes na história desse país, houve tanta dificuldade para se conviver com as pessoas. Alguns fatos que me levaram a essa conclusão pessimista: nunca vi tantos carros com sistema de som ligado nas alturas, com tanta frequência; claro, as caixinhas de som de celular, em toda parte, ambientes fechados ou abertos; motos fazem barulho propositalmente e avançam pelas calçadas e passarelas; usa-se nextel em lugares fechados, como transporte coletivo e restaurantes, com aquele apito irritante, sem o mínimo de bom senso; e fica óbvio que minha implicância é principalmente na parte auditiva, mas as pichações tão aí para nos brindar com o lixo visual. A questão é que as pichações sempre estiveram aí, isso eu tenho consciência. Talvez só fiquei mais sensível e me dá uma onda de raiva ao ver certos lugares, como interior de residências, em que esse abuso é feito.

A convivência vai se tornando insuportável. As pessoas se sentem muito à vontade para incomodar as outras porque ninguém reage… E nem tem como reagir: muitas dessas questões não podem ser tratadas com polícia, mas são questões de bom senso (falar em celular em espaço fechado) e aquelas em que pode ser colocadas com polícia (som alto, infrações de trânsito), o estado não pode fazer nada. Eles só falam “você está coberto de razão, essas coisas não devem ser feitas, mas não podemos fazer nada / não é de nossa jurisdição”, é como diz aquela música do mestre Renato Russo:

“Eu sinto muito mas já passa do horário.
Entendo seu problema mas não posso resolver:
É contra o regulamento, está bem aqui, pode ver.” Legião Urbana – Metrópole

Claro que a impunidade incentiva, mas não é possível colocar polícia em todo canto. Percebi isso quando vi um cara pela calçada de um estacionamento de moto, em alta velocidade. Ali, era um típico caso em que não tem como o estado controlar tudo, cada um tem que ter consciência, a qual vem com educação. Por outro lado, o fato de ter uma mão te dando tapa assim que te vê fazendo besteira, você acaba sendo adestrado e, se nas principais vias você obedece e nas ruas de condomínio, você caga todo o trânsito, você é mesmo um filho da puta porque tá se esforçando pra fazer o errado. Isso é um desvio de conduta grave, por mim ia para a boa Casa Verde.

Somado à impunidade e à falta de educação, há a glamurização da porcaria, o orgulho de ser favelado que, a principio, era que a pessoa queria se mostrar digna em morar num lugar marginal (o que já acho bizarro, as pessoas devem tentar melhorar de vida ao invés de se acostumar com a merda) e acabou por se transformar em orgulho do comportamento inconveniente, e a mídia, que não é boba, entrou na brincadeira e hoje temos ai porcarias como Esquenta “incentivando” ser um favelado.

Com  todo esse lixo, as pessoas se sentem no direito de fazer o que bem entendem. Acabou o autocontrole, acredito que a maioria faça o que quer no transporte público e prevejo um futuro com gente fazendo sexo ou defecando no ônibus. Em casa, as pessoas se esquecem que têm vizinhos, não fazem o mínimo de esforço ou param o mínimo de tempo pra pensar que podem estar incomodando. E, se há reclamação, ignoram. Quando são casas, cada um faz o que quer e nem há uma autoridade local a que recorrer. Quando são prédios, pode até se reclamar com o síndico. Possivelmente, também é ignorado, isso quando não é parceiro do fanfarrão. Motoristas de ônibus que escolhem se seu dia vai ser tranqüilo ou se você vai se atrasar, passando por fora, abrindo a porta com o carro em movimento, deitando ou colocando também sua musiquinha. A convivência se torna difícil. Eu tenho vontade de mudar as pessoas, mas não posso . E, para finalizar, há aquela máxima infeliz do “INCOMODADO QUE SE MUDE”. Isso é uma das maiores imbecilidades que eu vejo o povo acreditar. O incomodado que fique com o prejuízo vendendo a casa a um preço barato para se livrar dos vizinhos que possuem sistema bomber de som no carro, se aborrecendo com pesquisa de preços para um novo lar. O incomodado que pegue 4 ônibus para ir para onde quer ir, descendo a cada um que colocar música alta (perceba que é uma probabilidade alta, basta 1 filho da puta desgraçado em 50 passageiros) e a cada um que decidir fumar… O incomodado que gaste uma fortuna indo no frescão para evitar se aborrecer e ainda não tem nada garantido porque pode um arrombado sacar seu nextel e ter aquela conversa interminável, acabando com o silêncio e fazendo seus 8 reais irem pro lixo. O incomodado que gaste uma fortuna com um carro para não ter um espaço compartilhado e se permita somente aos aborrecimentos de trânsito, com todo tipo de malandragem e passadas de perna que são peculiares a este ambiente. E, para finalizar, a mentalidade é “O INCOMODADO QUE SE MUDE, EU TO AQUI PRA INCOMODAR”. Essa música e a comunidade do orkut são os marcos da decadência em que vivemos.

Há um orgulho no incômodo. Poderia-se argumentar que as pessoas nem percebem o que estão fazendo, não é verdade porque  elas nem fazem cerimônia. E, claro, quando você pede a colaboração, recebe ignorância e, na maioria das vezes, a reação é com raiva. Sério, velho, a pessoa tá lá sendo um filho da puta e fica com raiva porque você pediu pra abaixar o som… 5 minutos depois, o som que você achava que estava no máximo tá o dobro do volume. Parece que as pessoas só tão esperando isso mesmo, tão ali pentelhando pra atrair pra si a antipatia e poderem “se vingar” do mala que pede pra abaixar o volume, apagar o cigarro ou jogar o lixo no cesto.

Max escreve para o prefeito

gosto muito da cena em que ele parte pra cima do cara jogando papel no chão

 

A convivência está difícil, quase impossível. Por isso, estou a ponto de desistir de sair de casa e mandar crescer um muro alto com isolamento acústico. E tampar minhas janelas. Não há esperanças, o mundo é dos filhos da puta.